Pedro Barbosa está na sua rústica casa de campo a comer um croissant com recheio de ovo. Um mega croissant, refira-se. Desloca-se na cadeira de rodas até à janela e ao fim de longos 15 minutos consegue finalmente vislumbrar a lassidão da paisagem. Ao fundo, uma nuvem de fumo parece indicar o fim da tranquilidade: era Rui Costa, o santo que fez o milagre de sacudir a água do seu casaco Hugo Boss (versículos de São Costa, 16:9), varrendo a planície a espumar de raiva.
Barbosa, com a sua placidez habitual, rumina mais um pouco o seu croissant e deixa-se estar.
- Eu é que não era maluco para começar a correr com este calor todo… - pensa com a sua franja que tomba resignada sobre a testa.
Barbosa, com a sua placidez habitual, rumina mais um pouco o seu croissant e deixa-se estar.
- Eu é que não era maluco para começar a correr com este calor todo… - pensa com a sua franja que tomba resignada sobre a testa.
Costa, o santo que fez o milagre de gastar todo o orçamento do Malawi em contratações do calibre de Balboa (versículos de São Costa, 4:3), avança imparável destruindo azinheiras, esquartejando bolotas, dilacerando os bonecos Playmobil do Miguel "o Miguel" Veloso, escavacando as ene balanças do Rochemback, incendiando os pneus do seu patrão e disparando indiscriminadamente a sua metralhadora como se fosse o Rambo no Afeganistão. Ainda estrangulando um esquilo, chega à janela térrea donde espreita Barbosa.
- Eu passo-me quando não vejo condições! Eh pá, dá-me cá uma raiva que nem queiras saber! Parto tudo o que vejo à frente! – desabafa Costa.
Barbosa prefere dar início ao croissant com pedaços de amêndoa na cobertura. Não responde.
- Mas isto é o quê, pá? Jogar à bola na relva? Na relva? Mas aonde é que chegámos, pá? A relva é para os bois e para as vacas não sagradas, pá! Não é para mim! Essa porcaria está cheia de pesticidas, pulgões e ácaros da mais variada espécie! Só admito espalhar classe num tapete de veludo beatificado pelo vinho santo do São Vilarinho (versículos de São Costa, 7:1)!
- Hmm, hmm – grunhe Barbosa. Provavelmente, sentindo a delícia do praliné gostoso.
- E que porcaria de entrada em campo é esta, pá? Eu ando sobre as nuvens ou sobre a água… mas sobre a terra batida? Ó Barbosa, isso é mesmo para provocar-me, não é? Tu queres que eu me passe dos carretos, não é? – e dito isto, Costa parte violentamente um vaso que estava no parapeito. Barbosa demora alguns segundos a responder.
- Eh pá, não me partas a louça!... Tenho tantas dificuldades para a pagar… Agora puseste-me triste e já não me apetece falar mais… Vou afogar as minhas mágoas num vulgar croissant de chocolate. Ou melhor, num pastelinho de nata, que está mais queimadito, coitadinho… Eu tenho muita pena dos pobrezinhos…
Mal Barbosa finca o dente misericordioso no pastel, Costa abespinha-se:
- Esse pastel não tem condições! Alertei a ASAE e eles não fizeram nada quanto a essa questão! Essa porcaria só aumenta o colesterol! E isso deixa-me… furibundo! AHHHHH!!!!! – ao mesmo tempo que grita, Costa imprime uma sacrossanta cabeçada na persiana, desfazendo-a em pedaços.
Barbosa, de boca cheia, tenta por tudo mover-se para agarrar e acalmar São Costa, mas só consegue mexer ligeiramente o indicador enquanto cospe um bocado do pastel:
- Ó ‘Osta… ó ‘Osta, ‘tá lá ’ieto com isso... assim ‘ás-me ‘abo da ‘asa…
- Mas qual casa, pá? Isto é um casebre sem condições! Isto é o terceiro mundo! Pensava eu que eras um visconde!...
- Tenho uma casa humilde. Por favor, não me destruas os estábulos nem importunes as éguas. Pode ali estar um novo Ronaldo e eu preciso disso para comer.
- Ronaldo?!? Bah, um jogador sem condições para o Benfica!
- … mas olha que ele é caro como o caraças…
São Costa ouve falar em coisas caras e refreia os seus ímpetos.
- Mas… caro, como assim?
- Muito caro.
- Tipo… bué, bué caro?
- Caríssimo. Do mais caro que pode haver.
São Costa escuta uma música celestial e um halo de luz desce dos céus, envolvendo todo o seu fato Armani. Hossanas ao Senhor, podia estar ali o novo reforço! Costa está muito interessado em saber mais.
- Hmmm… E o tipo joga bem?
- Então não? É do melhor.
Costa enfurece-se outra vez.
- Eu logo vi! Não tem condições! Tem de ser caro e não valer a ponta de um corno para ter lugar no plantel! O verdadeiro símbolo do Benfica sou eu!
Barbosa já chupa os dedos e lança um olhar apaixonado sobre a travessa de bolinhos de coco que repousa sobre a sua caminha de feno. Nota-se que Barbosa gosta de comer enquanto os outros estão a falar e por isso tenta prolongar um bocado a conversa.
- Mas o símbolo do Benfica não é a águia Vitória?
- É um animal sem condições! Só eu possuo condições ideais!
- E antes não era o Eusébio?
- Tem algumas condições, nomeadamente no que concerne à identificação do marisco… mas não chega!
- E porque é que tu…
- Porque eu sou do povo e tenho um BMW topo de gama, estofos de cabedal e jantes de liga leve, que conduzo com alto estilo e óculos Ray-Ban a condizer, ´tás a ouvir? Quase quarenta anos e um cabelo de pedir meças ao Mick Jagger, ´tás a ver? Sem um cabelo branco que seja! E tu, ó visconde falido?
- Tenho um tractor agrícola Same. Dá jeito para apanhar a azeitona.
Costa, o santo que tem a mais bela voz de todos os directores desportivos que fumam nos túneis de acesso (versículos de São Costa, 68:70), exaspera.
- Percebes agora o que te digo? Não tens condições!
- Não menosprezo o meu tractor – defende Barbosa, tirando a cereja cristalizada do topo do seu bolinho – Só eu sei a adrenalina que senti quando dei 30 Kmh pela estrada que vai do pavilhão ao relvado… sem capacete. Sempre a rasgar. Sempre nos limites. Uma loucura.
Entretanto, ouve-se o galo cacarejar e chegam notícias que dão conta que o jogo dos miúdos tinha terminado. Costa e Barbosa ficam frente-a-frente, num longo momento de embaraço, sem assunto para desenvolver. Costa, olhando para todo o rasto de destruição que deixara na modesta herdade de Barbosa, tenta improvisar uma despedida.
- Pá, então… Ficamos assim… Havemos de marcar um jantar um dia destes...
Barbosa aceita a sugestão com agrado, parando por instantes o seu semi-frio de café.
- Isso pode ser. Pagas tu? Sabes que eu ando um bocado à rasca… e agora ainda tenho de pagar o que tu partiste…
- Paga a imprensa – decide São Costa – Que esses trastes sirvam para alguma coisa! Ando cá com uma raiva a esses gajos!... Eu já os conheço a todos muito bem e tenho respostas muito boas para eles... Do género: eles perguntam-me “ah e tal, fulano e sicrano” e eu faço aquele sorriso malandro a mascar pastilha e só lhes digo “amigo, eu não papo grupos!” e eles ficam a andar à roda! Tomem lá! Quando penso nisso fico cá com uns azeites!...
Barbosa apazigua:
- Não penses mais nisso. A culpa é do Porto.
Costa é atingido em cheio no seu coração. Estabelece-se uma súbita empatia. A ira transforma-se em sorrisos.
- Nem mais! Nem mais! Pá, tu quando queres até sabes! Desculpa lá a maçada, ó Barbosa! Dá cá um abraço! Amigos como dantes?
- Tudo bem… pode ser… cuidado, não me esborraches o éclair. É o último e acho que dei um mau jeito no braço quando me estiquei para ir buscá-lo.
1 comentário:
"Aprecio de sobremaneira textos que refiram o meu refinado gosto capilar.Agora dêem-me licença que vou berrar para um túnel."(versículos de São Costa, 0:7)
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